Rogério Duprat: O Maestro da Tropicália.
Nascido no Rio de Janeiro da década de 30, foi na São Paulo de 50 que Duprat cresceu e se desenvolveu em música. Quando ainda era bem jovem já tinha habilidades com o violão, cavaquinho e gaita de boca, autodidata, aprendia “de ouvido”. Mais tarde mudou-se para a música erudita, estudou, e foi um dos fundadores da Orquestra de Câmara de São Paulo.
Além de lecionar na vida cotidiana, ensinando sobre música a muitos com quem convivia, foi na Universidade de Brasília onde teve essa função de maneira oficial nos anos 60. Mas, foi obrigado a deixar o posto devido a divergências com o regime Militar da época.
De acordo com o próprio, era um músico multimídia: “Eu sou um músico multimídia. Eu já nasci assim. Acho que não é de estranhar. O que eu acho que é uma coisa da minha geração, essa coisa de atacar em várias frentes, um troço que foi comum”.
Mas, provavelmente, o motivo que os trouxeram aqui, caros leitores, seja o interesse em saber sobre o trabalho de Duprat junto à Tropicália. Afinal, ele foi mais que responsável por diversos êxitos do movimento, e também por proporcionar encontros memoráveis, como o de Os Mutantes com Gilberto Gil. Mas nesse momento, a história estava apenas começando…
Duprat tem a veia erudita, e vinha dessa “escola”, com anos de experiência e trabalhos realizados. Mas alguns importantes fatores o levavam para longe, para fora. O levavam ao experimentalismo.
Primeiro de tudo: Caretice. Não se pode ser careta dentro da música. E em segundo lugar (algo raro na época e até hoje em dia): Democracia. A música não podia ficar guardada em um ambiente para meia dúzia de homens ricos. A música é da rua, da movimentação, dos bares, dos tangos, dos sambas, da bossa, da fossa.
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Era preciso expandir os horizontes.
Porém, era preciso, também, e não menos importante que tudo, sobreviver. Era preciso sobreviver! Duprat aos 21 anos de idade já era casado e já tinha filhos. Sua vida com responsabilidades que iam além de seu próprio corpo e talento precisava ser sustentada. E foi com outros caminhos dentro da música que ele descobriu a maneira de fazê-lo.
“Dentro da profissão, começaram a aparecer as ramificações, até por necessidade fisiológica, para sobreviver a família. Eu me casei muito cedo; aos 21 anos já tinha uma filha. Isso tudo tinha que comer. E nesse tempo tocar só no Teatro Municipal não bastava, não era um salário. Então, fazia várias coisas. Aí, comecei a gravar muito; com isso, conheci muitos músicos populares, tocando em gravação de filmes, por exemplo, trilhas de filmes, enfim, muita música popular”.
Na era dos grandes festivais, Duprat e muitos de seus amigos eram verdadeiros olheiros, sempre em busca de novidades, de novos grupos, cantores… Já estavam ligados com o que acontecia com a Jovem Guarda, mas também achavam muitos deles “certinhos” demais. Dentro dos padrões demais. Cópias demais!
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E pela sorte, dele, de nós ou do próprio trio, Duprat conheceu Os Mutantes. Se encantou pela banda, assim como andava encantado pelos Beatles. Os Mutantes tinham estampados na cara a inocência, mas também era irreverentes, criativos, e sabiam como beber diretamente na fonte. Para Duprat, poucos conheciam Beatles como eles.
Foi nesse processo de novas amizades que Gil e Caetano, com a vontade de inovar e fugir dos acompanhamentos de orquestras no festivais, buscavam novos parceiros. Caetano achou seus argentinos para isso, e Gil, por obra de Rogério, teve a ilustre companhia de Arnaldo, Sergio e Rita em seu Domingo no Parque. Iniciava um novo Ato dentro da Música Brasileira!
“O grupo, que fez “Alegria, Alegria” com o Caetano, também era bom. Mas era frio, não era quente, era frio … Era argentino … Então, eles tinham assim, eles faziam, tocavam bem, mas não tinha essa coisa inexplicável que Os Mutantes tinham. Essa grandiosidade … ingênua, espontânea, tudo isso”.
O encontro d’os Mutantes com Duprat foi inovador, sem dúvidas, mas a banda também já tinha uma pré-disposição à criação nata!
“Era um time pesquisador. Eles estavam permanentemente… Depois, eram muito atentos a todas as coisas. Aquelas brincadeiras da Rita eram coisas que os americanos andavam fazendo, aquela coisa de simular certa ingenuidade, fingir que é bobo, aquelas coisas, e só eles sabendo que aquilo era gozação. Então, isso aí foi se desenvolvendo, eles acabavam fazendo disso um retrato, a cara do grupo era isso. Tinha um negócio de tocar instrumento raro, uma harpinha. Enfim, eu só podia cair de amores por eles, não tem outro, era o maior grupo que o país tinha dado até ali”.
Apesar dessa forte ligação com os Irmãos Dias e Rita, Duprat também executou outros grandes trabalhos dentro da música popular. E para falar um pouco deles, vamos fechar o capítulo Mutantes com a declaração de que eles são melhores que os Beatles. Ousado.
“Têm coisas que os Beatles não saberiam fazer. “Panis et Circenses”, por exemplo, nós fizemos um happening naquela música. Você pensa que os Beatles fizeram alguma vez? Nenhuma peça dos Beatles era uma coisa assim avançada. Não quero denegrir os Beatles, espetaculares e tal. Mas esses caras estavam na frente.”
Duprat também tinha a ideia de trabalhar o rock com o sertanejo… Dessa vontade já é possível imaginar de quem vamos falar, não é? O Rock Rural também é um dos movimentos importantes e foras da linha que tivemos durante a década de 70. Nesse período surgiram trabalhos inovadores de O Terço, Sá, Rodrix & Guarabyra, Badengó…
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“Fiz um disco inteiro com Alceu Valença e Azevedo. Era uma dupla, você sabe. Fiz um LP inteiro. Mas também fiz com João Bosco”.
Mas esse processo criativo não era assim tão fácil e liberado. Esses encontros aconteceram em um dos momentos mais acirrados da Ditadura Militar. Entre 67 e 68… Os milicos estavam de olho em todas as cabeças pensantes, em quem produzia arte. Qualquer escorregão, ou interpretação dos militares, podia resultar em censura do material. Ou algo pior!
Mas Duprat também não era manso, e tem uma passagem engraçada e digna de humor ácido comum nas músicas da época. Foi o que aconteceu com seu trabalho em parceria com Caetano Veloso:
“No “Acrílirico” tem vários sons feitos num estúdio. Um deles, um desses sons é um peido meu (risos). Fiz questão absoluta de entrar no estúdio – e o Fritz era um operador, também entrou na gozação, um ótimo operador. Aí eu dizia, “dá um tempo”, fique atento aí. Um dia eu vou contar para todo mundo qual é o lugar em que tá esse peido, eu tenho que localizar de novo, mas tá lá. Isso fazia parte do nível de gozação que a gente estava disposto a assumir.”
O Pum de Duprat está em 1 min e 39 seg.
Mas o distanciamento de todos, e a mudança dos rumos dos trabalhos mudou. Era o AI -5. Ato Institucional Número 5. O mais repressor de todos. Era a Ditadura Militar.
“Enfim, ao que me dediquei e com mais força foi nesses dois anos – 67 e 68 – de aproveitar aquela… Era um material humano reunido … E que os milicos fuderam, prendendo os caras, no fim de 68. Eu viajei com os Mutantes para fazer uma música só deles, naquele festival da França, … lá de Cannes; era D. Quixote. Eles foram defender lá e eu fui com eles e orquestra. Quando nós voltamos, o Caetano estava preso, estava todo mundo apavorado, e nós, na rua, porque o pessoal da Philips…, enfim, passava aqui, nós fedíamos, tínhamos fedor subversivo. Então, não valia a pena ficarem muito ligados a nós, aquela sujeira … Então, todo mundo aí começou a fugir. No fim de 68 para 69, aí foi terrível – acabaram, proibiram, não podíamos mais fazer teatro”.
Rogério Duprat faleceu há 11 anos, no dia 26 de outubro de 2006. Em 2017 ele completaria 85 anos.
Sua contribuição na Música Brasileira jamais será esquecida!