Nordeste Psicodélico e Molhado de Suor.
Como é bom e difícil escrever sobre a música brasileira. Sempre um desafio. Quantos elementos buscar, interpretar? Como retomar um movimento sem se tornar simplista?
É quase impossível. Por isso vemos tantos livros, teses e grandes reportagens sendo produzidas sobre a música brasileira e suas vertentes, seus momentos…
Hoje vamos (tentar) voltar aos anos 70, e explorar um pouco sobre o que acontecia em nosso Nordeste, o berço das mais férteis mentes. A fonte de inspiração, regionalidade, experimentalismos e pirações!
O Brasil, como um todo, consumia muita música estrangeira, principalmente o rock que se fortalecia nos anos 60 e 70. Pelas dificuldades da época, essas referências chegavam por aqui com alguns anos de atraso, ou eram assimiladas depois de algum tempo… Pois tudo é um processo.
Mas não aconteciam cópias, a música consumida era completamente diferente da música produzida. Pois cada um dos estados e seus representantes compreendiam, absorviam e aplicavam o conteúdo externo de uma forma diferente. O rock produzido em São Paulo era diferente do que rolava no Rio de Janeiro, e bebiam na mesma fonte do forró psicodélico de Pernambuco, que até hoje nos causa nós na mente tentando encontrar gênero para as músicas produzidas. Por isso a importância de não sermos simplistas, e levar em consideração os territórios, suas expressões artísticas, e o momento vivido.
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Vamos à imersão:
No Recife dos anos 70 rolava uma grande libertação artística entre os muitos grupos, poetas, músicos, atores e intelectuais da cidade. No início da década, Recife era uma cidade pequena, com hábitos provincianos e de grande desigualdade social. Apesar do conservadorismo típico no país todo, a capital pernambucana era ainda mais conservadora que Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo.
E na busca de quebrar essa barreira cultural, reforçada pelos anos de chumbo, surgia uma turma disposta e pronta a fazer arte. Surgia o underground recifense. Ou o udigrudi recifense. O centro e palco desses acontecimentos foi o bar Drugstore Beco do Barato. Localizado na região central de Recife, era acolhedor com todos, sem fazer distinções de classe, gênero ou raça.
Nesse contexto, nomes como Alceu Valença, Ave Sangria, Zé Ramalho, Lula Cortês, entre tantos outros, criavam e recriavam a música pernambucana, e compunham músicas e discos que são históricos e enigmáticos até hoje.
Alceu Valença é um nome que mesmo arrastando multidões até hoje, ainda não é inteiramente conhecido. Muitos de seus fãs desconhecem suas obras compostas na década de 70. Obras de letras fortes, políticas, reflexivas, e sonoridade ímpar que viaja pelo mundo psicodélico e aterrissa na brasilidade. Um som que bebeu em fontes estrangeiras, mas que quando feitas por aqui, no calor tropical tupiniquim não pode ter um outro resultado, que não seja “Molhado de Suor”.
O Disco Molhado de Suor é o primeiro álbum solo de Alceu, e foi lançado em 1974, logo após o músico participar do filme A Noite do Espantalho no qual fazia o espantalho e o narrador. Quando foi apresentar as canções desse disco por aí, especialmente no Rio de Janeiro, contou com a colaboração de músicos de outra grande representante do forró psicodélico pernambucano: Ave Sangria. O momento vivido pelo Brasil, problemas na gravação e música censurada acabaram boicotando o desenvolvimento da banda, que por necessidades financeiras, precisou se distanciar.
Recentemente, na gravação de um DVD ao VIVO, Alceu reviveu discos produzidos nessa época, como , Vivo!, Molhado de Suor e Espelho Cristalino, mas que não eram dominados pelo público. (Lembrando que Alceu tem um público fiel e grande, e que contempla diversas idades e gerações). Ou seja: Há obras e histórias perdidas por aí, e que precisam ser resgatadas, pois fazem parte da história da música brasileira.
Pensando nisso, a Polysom lançou um box com 4 obras de Alceu gravadas nos anos 70: São os três primeiros discos gravados na criativa década de 70. Molhado de Suor, de 1974, Vivo de 1976 e Espelho Cristalino de 1977. A surpresa é o raríssimo disco Saudade de Pernambuco que foi gravado no fim da década, em 1979, enquanto Alceu estava em seu autoexílio na França. Os discos serão remasterizados a partir dos originais e prensados em vinil 180 gramas.
Lp Box Set Alceu Valença 70 Anos
Molhado de Suor – 1974
Esse é o primeiro disco solo de Alceu Valença. Antes disso havia desenvolvido um projeto em parceria com Geraldo Azevedo: Quadrafônico, e também como principal intérprete da trilha sonora do filme “A Noite do Espantalho”, de Sergio Ricardo. Molhado de Suor foi produzido por Eustáquio Sena, o disco traz 11 faixas, incluindo a faixa-bônus “Vou Danado pra Catende”.
Vivo – 1976
Vivo é seu segundo álbum e foi gravado ao vivo no Teatro Tereza Rachel durante o show Vou Danado pra Catende. O álbum foi produzido por Guto Graça Mello e traz oito faixas, entre elas “Sol e Chuva”, “Pontos Cardeais” e “O Casamento da Raposa com o Rouxinol”.
Zé Ramalho da Paraíba participa das músicas “Papagaio do Futuro” e “Edipiana Nº 1”.
Espelho Cristalino – 1977
Alceu lança seu terceiro disco em 1977, Espelho Cristalino tem oito músicas, entre elas “Agalopado” e “A Dança das Borboletas”. Os arranjos são assinados por Alceu e pelo guitarrista Paulo Rafael, com participação de um coro formado por Elba Ramalho, Tania Alves, Marlui Miranda, Tinhazinha e Odaire.
Saudade de Pernambuco – 1979
Esse raríssimo disco foi gravado em Paris em 79, e que só agora chega às lojas. Saudade de Pernambuco é um disco que havia saído no Brasil apenas como brinde do Jornal da Tarde, traz 10 faixas, entre elas “Apoena”, “O Ovo e a Galinha” e “Cana Caiana”. É um bônus e tanto ao box!
Recife viveu outro momento importante de resgate de sua identidade mesclada à renovação. Foi a era Manguebeat, que você pode conhecer um pouco melhor por aqui:
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